segunda-feira, 10 de outubro de 2011

JUÍZES PRECISAM DE SOLUÇÃO PROFISSIONAL SOBRE SEGURANÇA

O assassinato da juíza de Direito Patrícia Acioli, da 4ª Vara Criminal da comarca de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, dia 12 de agosto passado, trouxe à discussão a segurança dos juízes. Desde logo é preciso que se registre que não se trata de caso único ou exclusivo da conturbada vida contemporânea. O risco de desagradar, a morte como consequência, faz parte da história da magistratura, muito embora não de forma constante como agora.

Para ficarmos em um exemplo bem antigo, no dia 3/3/1795 foi assassinado Antonio Barbosa Ribeiro, juiz ordinário da Vila Nova D’El Rei, localizada no sertão da Capitania do Ceará. Consta que o magistrado foi morto no Fórum, em meio a uma manhã cheia de audiências. O local foi invadido por cerca de 30 homens e a morte se deu por tiros, pauladas e facadas. O homicídio do juiz foi uma reação do poder local contra o domínio da Coroa, da qual Ribeiro era considerado um representante.[1]

Deixando o Brasil Colônia e vindo aos anos 2000, três casos emblemáticos ocorreram e suscitam preocupações, não apenas aos juízes mas também à sociedade.

Em 14.3.2003 o juiz de Direito José Antonio Machado Dias, da Vara das Execuções Penais de Presidente Prudente, SP, foi assassinado a tiros. No mesmo mês, foi morto o juiz de Direito Alexandre Martins de Castro Filho, de Vitória, no Espírito Santo, que integrava missão especial de combate ao crime organizado. Neste caso a morte teria sido encomendada por um magistrado e policiais, o que torna os fatos mais graves.

Em agosto deste ano, o caso de maior repercussão: Patrícia Acioli, juíza rigorosa nas ações penais envolvendo mortes por grupos de extermínio, já ameaçada várias vezes e que se valeu de segurança em tempos passados. Segundo a imprensa especializada “a juíza nos últimos dez anos condenou mais de 60 membros de grupos de matadores”[2]

Os três assassinatos, em estados diferentes, têm em comum o fato de que os magistrados eram severos nas decisões criminais, enfrentaram a criminalidade organizada e por ocasião do atentado se encontravam desprotegidos de qualquer segurança.

Disto surgem discussões sobre onde e como deve ser propiciado aos juízes condições de exerceram com tranquilidade suas funções. Como se trata de tema novo na pauta do Judiciário, tudo é feito sob forte emoção, pouco conhecimento e sem uma política pública uniforme.

Vejamos como as coisas sucedem no mundo dos fatos. Um dia um juiz, regra geral com competência criminal, recebe uma ameaça velada. Ela pode ser através de um telefonema, por carta e até por uma visita que utiliza palavras de duplo sentido. A reação pode ser de desprezo pelo aviso ou de preocupação diante do fato. Se esta for a reação, verá o magistrado, regra geral, que não dispõe de um sistema organizado de assistência.

Uns procuram a Polícia diretamente, mas a maioria dirige-se ao Tribunal ao qual estão vinculados. A resposta varia caso a caso, conforme quem se achar no exercício da presidência. A avaliação é subjetiva, do presidente ou de um Conselho. Disto resulta que a solução depende do valor que se atribua ao fato, que poderá ser de imediato apoio através de contatos com a SSP ou de abandono do juiz à própria sorte, não sendo a ameaça considerada real.

Nos TJs existem departamentos de segurança institucional onde Policiais Militares prestam serviços. Normalmente, estes são os encarregados de prestar a segurança em tal tipo de situação. No âmbito Federal se pede o auxílio da Polícia Federal. Em algumas Seções Judiciárias da JF agentes de segurança recebem treinamento para atuarem em situação de emergência.

Não é preciso perder tempo em considerações, para concluir que tudo isto revela um despreparo, um posicionamento amador, ingênuo. É necessária uma política conjunta, feita por gente que entende, separando situações de risco de receios infundados, pois estes também existem.

E mais, esta política não pode ser apenas para os juízes, mas deve incluir os membros do Ministério Público, expostos exatamente da mesma forma. Não há nada que justifique políticas diversas para situações semelhantes.

Evidente que tudo isto gera problemas de toda ordem. Por exemplo, a escolta de um juiz federal não costuma ser feita por agentes da Polícia Federal do mesmo local, mas sim gente de fora. Isto representa o pagamento de diárias, ao redor de R$ 170,00, além da passagem aérea da sede ao local da proteção. Como ninguém trabalha só, os turnos devem corresponder a 8 hs diárias e ainda há a folga semanal. No mínimo serão três agentes e isto resultará em despesas de cerca de R$ 15.500,00 por mês. Sem contar que os policiais não estarão exercendo suas funções rotineiras de investigação.

E não é só isto. A proteção poderá ter que se estender à mulher e filhos. E poderá gerar outros tipos de questões. Antonio Ingroia, Procurador da República junto à Regional Antimáfia de Palermo, Itália, narra que teve problemas na escola em que seus filhos estudavam, porque outros pais reclamaram que a escolta que os protegiam intimidavam as outras crianças.[3] Egoísmo supremo.

Tudo isto está a demonstrar a necessidade de uma ação profissional madura e não de soluções caso a caso. É óbvio que o Poder Público não pode sustentar um policial para cada magistrado e que isto, além de caro, seria desnecessário. Afinal, é difícil supor uma ameaça a um juiz de Direito de uma Vara de Registros Público (seria um autor de usucapião a quem não se reconheceu posse mansa e pacífica?). Os riscos de um juiz de uma vara cível, salvo eventual caso concreto, são os normais a que estão sujeitos todos os brasileiros. É difícil sustentar que devam ter proteção diária. Então, qual seria a solução?

Uma opção seria a criação, no âmbito federal, de uma Comissão, localizada em Brasília e composta por 5 membros, destinada a avaliar e direcionar medidas nos casos a ameaças a membros do Poder Judiciário e do MP da União. Dita comissão poderia ter 1 representante do Poder Judiciário (indicado pelo STF), 1 do Ministério Público Federal (indicado pela PGR), 1 do Ministério da Justiça e 2 das forças de Segurança, 1 federal e 1 estadual. Uma enxuta estrutura de apoio e um selecionado grupo de agentes que prestariam assistência em locais diversos do território nacional.

Eventualmente, se necessário, seriam chamados outros agentes para missões especiais. Se preciso, também, seria pedido o apoio a Agentes de Segurança da própria Justiça ou MPF, que manteria um pequeno grupo treinado para tal fim.

No âmbito estadual poderia ser repetida a solução, adaptadas às peculiaridades do local. Além destas medidas, imprescindível seria valorizar os que tombaram por cumprir suas funções. Isto passa por homenagens, como feito pela APAMAGIS ao abrir concurso de trabalhos jurídicos em nome do juiz Machado e do TJSP dando seu nome ao Fórum da comarca de Pirapósinho. Ou, como fez o Governador do ES dando o nome do juiz Castro Filho ao Terminal Itaparica e da Assembléia Legislativa criando uma Comenda em seu nome.

E não apenas isto. Os tribunais, o MP e associações de classe não devem solidariedade apenas aos seus membros, mas também aos de outras instituições, inclusive policiais. Comparecer às homenagens, atos oficiais, inaugurar placas, perpetuar nomes, é o mínimo a ser feito para os que sucumbem no cumprimento do dever. Da mesma forma a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, como feito no caso da juíza Patrícia Acioli.

Aí está a questão, novo desafio ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Enfrentá-lo com profissionalismo e não sob o calor de uma ocorrência é o melhor caminho.

[1] Antonio Otaviano Vieira Junior, em Terra sem lei, http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/terra-sem-lei, acesso 8.10.2011.

[2] Tribuna do Direito, set. 2011, p. 19.

[3] Nel labirinto degli dei, Ed. Il Saggiatore, Milano, 2010, p. 57.

Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 9 de outubro de 2011

Fonte: CONJUR

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