Por Rogério Barbosa
Em uma das palestras mais fortes de toda a XXI Conferência Nacional dos Advogados, um dos mais importantes constitucionalistas do país, Luís Roberto Barroso, sugeriu — sob aplausos — a criação de um exame nacional para ingresso na magistratura. Uma espécie de provão, como ele mesmo definiu, que habilitasse candidatos a juízes a participar dos concursos. Além disso, durante a Conferência Magna de Encerramento nesta quarta-feira (24/11), Barroso defendeu questões polêmicas como o aborto, plebiscito para escolha de sistema de governo e mudanças significativas na Lei Seca.
Para o constitucionalista, entre as medidas a serem adotadas para resolver a questão da litigiosidade, que representa um grande problema no país, estaria a implantação de um exame nacional para ingresso na magistratura, que habilitaria candidatos a prestarem concursos para juiz, realizados por tribunais estaduais e regionais. Seria uma espécie de seleção prévia "que minimizaria os riscos de manipulação e favorecimento por oligarquias judiciárias locais, riscos que, infelizmente, não são imaginários", disse.
Outro ponto a ser revisto, de acordo com o Barroso, é o aprimoramento do sistema de repercussão geral. "Já há mais recursos extraordinários admitidos dentro do novo sistema do que a capacidade do tribunal de apreciá-los nos próximos anos. O critério de seleção tem de combinar aspectos qualitativos e quantitativos, para não inviabilizar o tribunal nem alimentar um sistema de delegação interna de competências decisórias", afirmou.
O advogado disse também que é preciso aprimorar os mecanismos de funcionamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal e fez duas sugestões. A primeira é que os votos orais não deveriam estender-se para além de 20 ou 30 minutos, com síntese das principais ideias, sem prejuízo de o voto escrito ser mais analítico. A outra sugestão é para que a minuta do voto do relator — ou, pelo menos, sua tese central — deveria circular previamente, com dois propósitos. Quem concordasse com os termos da decisão não teria o trabalho de preparar outro voto para dizer a mesma coisa. E quem discordasse já poderia preparar a divergência, sem necessidade de pedir vista.
Barroso disse ainda que uma providência simples e indispensável após a votação em Plenário é a de o relator do acórdão submeter a ementa à aprovação da maioria que se formou, "para evitar que aconteça — como por vezes ocorre — de a ementa refletir apenas a posição do relator e não a da maioria".
Reforma política
"O Brasil precisa desesperadamente de uma reforma política", disse o professor Barroso, que contextualizou sua afirmação dizendo que é necessária uma reforma capaz de produzir um arranjo institucional que estimule a identificação entre o cidadão e seus representantes, que diminua de maneira drástica o custo das campanhas, que dê autenticidade aos partidos políticos, que seja capaz de absorver crises políticas e que ajude a formação de maiorias políticas estáveis no parlamento.
Para isso, sugeriu que fossem realizados plebiscitos para que o povo pudesse opinar sobre o sistema de governo proporcional, majoritário ou distrital misto (que dcombina a fórmula majoritária e a proporcional), com lista pré-ordenada e candidatos; e quanto ao sistema partidário, fidelidade dos eleitos e mecanismos que impeçam a pulverização dos partidos. "A proposta concreta que aqui se traz não é de mérito, mas quanto ao encaminhamento da reforma, para superar o impasse atualmente existente, em que todo mundo é a favor, mas cada um tem um projeto diverso em mente. Os conflitos de interesses são muito grandes e o Congresso não consegue produzir uma solução. Diante disso, um procedimento alternativo legítimo para concretizar a reforma política é a realização de um plebiscito", enfatizou.
Outra questão a ser repensada, do ponto de vista de Barroso, é o cargo em comissão. "Não são um mal em si, pois é normal que os órgãos de direção — sobretudo no Poder Executivo — nomeiem, para determinadas posições, pessoas afinadas com os programas a serem implementados. O problema, no Brasil, está na falta de republicanismo nos critérios de escolha, assim como no número excessivo de cargos de confiança", disse.
Para o número de cargos, o advogado apresenta uma solução que julgou como singela: "Basta a sua drástica redução, o que, de resto, alinharia o Brasil com as boas práticas administrativas do resto do mundo". Segundo ele, apenas no plano do governo federal — "onde os desmandos são menores e mais visíveis" — existem mais de 23 mil cargos em comissão, em manifesto contraste com Estados Unidos, (onde existem 9 mi), Alemanha que tem 500 e França com 550.
Impunidade
Segundo o especialista, o sistema punitivo no Brasil não realiza adequadamente nenhuma das funções próprias da pena criminal: não previne, não ressocializa nem prevê retribuição na medida certa. "A sociedade tem uma sensação difusa de impunidade, embora a população carcerária do país seja a terceira maior do mundo. Temos uma Justiça tipicamente de classe: mansa com os ricos e dura com os pobres. Leniente com o colarinho branco e severa com os crimes de bagatela", disse o constitucionalista.
"É tão degradado e degradante o sistema penitenciário que juízes e tribunais, com um mínimo de visão humanista, apegam-se a qualquer filigrana jurídica para não mandar qualquer pessoa não-violenta para suas entranhas, realimentando o sentimento de impunidade", concluiu. Para ele, o sistema punitivo brasileiro é uma combinação de truculência, impunidade e degradação: "Temos uma justiça tipicamente de classe: mansa com os ricos e dura com os pobres. Leniente com o colarinho branco e severa com os crimes de bagatela."
Lei Seca
"A política de tolerância zero, no particular, dificulta a efetivação da restrição.
Aqui, como em outras situações, o ótimo é inimigo do bom e do possível", disse o professor, sugerindo que a lei deveria tolerar um maior grau de álcool como máximo permitido. "Dois chopps, duas taças de vinho ou uma dose de bebida destilada deveriam ser considerados admissíveis, até porque isso asseguraria a possibilidade de cumprirmos a lei", disse Barroso que arrancou risos da plateia.
Barroso também considera que o direito à não-autoincriminação penal, sobretudo pela não realização do teste do bafômetro, não exclui a avaliação visual da autoridade nem tampouco deve inibir medidas administrativas. Ele sugere que a recusa em se submeter ao teste deva acarretar a apreensão do carro por uma semana e a suspensão da carteira por um mês, por exemplo, e que essas medidas fossem agravadas com o aumento do tempo da apreensão conforme houvesse reincidência, até que numa terceira vez, o indivíduo pego dirigindo embriagado tivesse sua habilitação e carro apreendidos.
"Somente se pego embriagado após ter tido sua carteira a veículo apreendidos, seria preso. Nada de penas absurdas e longas. Podem ser bem breves. Mas tem que ser para valer. Como o sistema penitenciário não é capaz de ressocializar ninguém, a prisão deverá ser domiciliar monitorada, com leituras reeducativas e nova prova de habilitação", sugeriu Barroso.
Aborto
Para o constitucionalista, é imprescindível incluir na agenda política do país a discussão acerca da descriminalização do aborto. "A melhor forma de se enfrentar o aborto — que não é, em si, uma situação desejável para ninguém — é com educação sexual, planejamento familiar e informações sobre meios de prevenção da gravidez, além de apoio à gestante que deseje ter o filho. Porém, tratar como criminosa a mulher que não quer ou não pode levar a gestação a termo constitui uma política pública de efeitos perversos, que devem ser considerados", afirmou.
Para ele a criminalização do aborto viola a autonomia da mulher, impedindo-a de fazer uma escolha decisiva para sua vida. Além disso, ele aponta a discriminação social que resulta da criminalização. "É que, sem terem acesso a clínicas privadas, e sem poderem recorrer à rede pública de saúde, dezenas de milhares de mulheres pobres morrem ou se lesionam gravementeutilizando técnicas primitivas de interrupção da gestação", concluiu.
Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2011
Fonte: CONJUR
Em uma das palestras mais fortes de toda a XXI Conferência Nacional dos Advogados, um dos mais importantes constitucionalistas do país, Luís Roberto Barroso, sugeriu — sob aplausos — a criação de um exame nacional para ingresso na magistratura. Uma espécie de provão, como ele mesmo definiu, que habilitasse candidatos a juízes a participar dos concursos. Além disso, durante a Conferência Magna de Encerramento nesta quarta-feira (24/11), Barroso defendeu questões polêmicas como o aborto, plebiscito para escolha de sistema de governo e mudanças significativas na Lei Seca.
Para o constitucionalista, entre as medidas a serem adotadas para resolver a questão da litigiosidade, que representa um grande problema no país, estaria a implantação de um exame nacional para ingresso na magistratura, que habilitaria candidatos a prestarem concursos para juiz, realizados por tribunais estaduais e regionais. Seria uma espécie de seleção prévia "que minimizaria os riscos de manipulação e favorecimento por oligarquias judiciárias locais, riscos que, infelizmente, não são imaginários", disse.
Outro ponto a ser revisto, de acordo com o Barroso, é o aprimoramento do sistema de repercussão geral. "Já há mais recursos extraordinários admitidos dentro do novo sistema do que a capacidade do tribunal de apreciá-los nos próximos anos. O critério de seleção tem de combinar aspectos qualitativos e quantitativos, para não inviabilizar o tribunal nem alimentar um sistema de delegação interna de competências decisórias", afirmou.
O advogado disse também que é preciso aprimorar os mecanismos de funcionamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal e fez duas sugestões. A primeira é que os votos orais não deveriam estender-se para além de 20 ou 30 minutos, com síntese das principais ideias, sem prejuízo de o voto escrito ser mais analítico. A outra sugestão é para que a minuta do voto do relator — ou, pelo menos, sua tese central — deveria circular previamente, com dois propósitos. Quem concordasse com os termos da decisão não teria o trabalho de preparar outro voto para dizer a mesma coisa. E quem discordasse já poderia preparar a divergência, sem necessidade de pedir vista.
Barroso disse ainda que uma providência simples e indispensável após a votação em Plenário é a de o relator do acórdão submeter a ementa à aprovação da maioria que se formou, "para evitar que aconteça — como por vezes ocorre — de a ementa refletir apenas a posição do relator e não a da maioria".
Reforma política
"O Brasil precisa desesperadamente de uma reforma política", disse o professor Barroso, que contextualizou sua afirmação dizendo que é necessária uma reforma capaz de produzir um arranjo institucional que estimule a identificação entre o cidadão e seus representantes, que diminua de maneira drástica o custo das campanhas, que dê autenticidade aos partidos políticos, que seja capaz de absorver crises políticas e que ajude a formação de maiorias políticas estáveis no parlamento.
Para isso, sugeriu que fossem realizados plebiscitos para que o povo pudesse opinar sobre o sistema de governo proporcional, majoritário ou distrital misto (que dcombina a fórmula majoritária e a proporcional), com lista pré-ordenada e candidatos; e quanto ao sistema partidário, fidelidade dos eleitos e mecanismos que impeçam a pulverização dos partidos. "A proposta concreta que aqui se traz não é de mérito, mas quanto ao encaminhamento da reforma, para superar o impasse atualmente existente, em que todo mundo é a favor, mas cada um tem um projeto diverso em mente. Os conflitos de interesses são muito grandes e o Congresso não consegue produzir uma solução. Diante disso, um procedimento alternativo legítimo para concretizar a reforma política é a realização de um plebiscito", enfatizou.
Outra questão a ser repensada, do ponto de vista de Barroso, é o cargo em comissão. "Não são um mal em si, pois é normal que os órgãos de direção — sobretudo no Poder Executivo — nomeiem, para determinadas posições, pessoas afinadas com os programas a serem implementados. O problema, no Brasil, está na falta de republicanismo nos critérios de escolha, assim como no número excessivo de cargos de confiança", disse.
Para o número de cargos, o advogado apresenta uma solução que julgou como singela: "Basta a sua drástica redução, o que, de resto, alinharia o Brasil com as boas práticas administrativas do resto do mundo". Segundo ele, apenas no plano do governo federal — "onde os desmandos são menores e mais visíveis" — existem mais de 23 mil cargos em comissão, em manifesto contraste com Estados Unidos, (onde existem 9 mi), Alemanha que tem 500 e França com 550.
Impunidade
Segundo o especialista, o sistema punitivo no Brasil não realiza adequadamente nenhuma das funções próprias da pena criminal: não previne, não ressocializa nem prevê retribuição na medida certa. "A sociedade tem uma sensação difusa de impunidade, embora a população carcerária do país seja a terceira maior do mundo. Temos uma Justiça tipicamente de classe: mansa com os ricos e dura com os pobres. Leniente com o colarinho branco e severa com os crimes de bagatela", disse o constitucionalista.
"É tão degradado e degradante o sistema penitenciário que juízes e tribunais, com um mínimo de visão humanista, apegam-se a qualquer filigrana jurídica para não mandar qualquer pessoa não-violenta para suas entranhas, realimentando o sentimento de impunidade", concluiu. Para ele, o sistema punitivo brasileiro é uma combinação de truculência, impunidade e degradação: "Temos uma justiça tipicamente de classe: mansa com os ricos e dura com os pobres. Leniente com o colarinho branco e severa com os crimes de bagatela."
Lei Seca
"A política de tolerância zero, no particular, dificulta a efetivação da restrição.
Aqui, como em outras situações, o ótimo é inimigo do bom e do possível", disse o professor, sugerindo que a lei deveria tolerar um maior grau de álcool como máximo permitido. "Dois chopps, duas taças de vinho ou uma dose de bebida destilada deveriam ser considerados admissíveis, até porque isso asseguraria a possibilidade de cumprirmos a lei", disse Barroso que arrancou risos da plateia.
Barroso também considera que o direito à não-autoincriminação penal, sobretudo pela não realização do teste do bafômetro, não exclui a avaliação visual da autoridade nem tampouco deve inibir medidas administrativas. Ele sugere que a recusa em se submeter ao teste deva acarretar a apreensão do carro por uma semana e a suspensão da carteira por um mês, por exemplo, e que essas medidas fossem agravadas com o aumento do tempo da apreensão conforme houvesse reincidência, até que numa terceira vez, o indivíduo pego dirigindo embriagado tivesse sua habilitação e carro apreendidos.
"Somente se pego embriagado após ter tido sua carteira a veículo apreendidos, seria preso. Nada de penas absurdas e longas. Podem ser bem breves. Mas tem que ser para valer. Como o sistema penitenciário não é capaz de ressocializar ninguém, a prisão deverá ser domiciliar monitorada, com leituras reeducativas e nova prova de habilitação", sugeriu Barroso.
Aborto
Para o constitucionalista, é imprescindível incluir na agenda política do país a discussão acerca da descriminalização do aborto. "A melhor forma de se enfrentar o aborto — que não é, em si, uma situação desejável para ninguém — é com educação sexual, planejamento familiar e informações sobre meios de prevenção da gravidez, além de apoio à gestante que deseje ter o filho. Porém, tratar como criminosa a mulher que não quer ou não pode levar a gestação a termo constitui uma política pública de efeitos perversos, que devem ser considerados", afirmou.
Para ele a criminalização do aborto viola a autonomia da mulher, impedindo-a de fazer uma escolha decisiva para sua vida. Além disso, ele aponta a discriminação social que resulta da criminalização. "É que, sem terem acesso a clínicas privadas, e sem poderem recorrer à rede pública de saúde, dezenas de milhares de mulheres pobres morrem ou se lesionam gravementeutilizando técnicas primitivas de interrupção da gestação", concluiu.
Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2011
Fonte: CONJUR
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